quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

História e reumatismo

Os meus ossos têm-me doído novamente, como acontece frequentemente no tempo húmido. Doem como a História: coisas há muito arrumadas, que ainda ecoam como a dor. 
O assassino cego, Margaret Atwood

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Renovação de empréstimo

Hoje é o dia da renovação do meu empréstimo de vida. É o único tipo de empréstimo que contempla tanto o pagamento de prestações como o encaixe de mais-valias.

Benção e aviso

«Murmurei-lhe ao ouvido, ou pensei murmurar: Deus a abençoe. Tenha cuidado. Qualquer pessoa que tenha intenção de lidar com as palavras precisa dessa benção, desse aviso.» O assassino cego, Margaret Atwood.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Indiferença

A indiferença é um dos sete pecados mortais ou, para dizer a verdade, o maior de todos eles, porque é o único que peca contra a vida. 
Um homem apaixonado - a minha luta 2, Karl Ove Knausgard.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A tomada se posse

Os corvos de colarinho branco começam a chegar.

Éter, António Cabrita

Sentados à mesma mesa

… airoso como todos os românticos de esquerda que preferem a crença e a autoestima à análise crítica…

Éter, António Cabrita

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Palavras

Areia. Areia. Areia. Repito a palavra para impedir que a outra. Sede. Sede. Sede. Sede. Me devore vivo e inteiro. Areia. Areia. Areia. Areia. Mesmo sabendo. Sede. Areia. Sede. Que ambas as palavras são somente as profetas da redentora. Morte.



quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Costa e Sousa e Martins Vs Passos e Portas

Atira-se uma rã para dentro de uma panela com água a ferver e ela salva-se saltando.
Coloca-se uma rã dentro de uma panela com água natural. Leva-se a panela ao lume. Lume brando. A água via aquecendo e rã sente-se confortável. A temperatura aumenta lentamente e ela não se apercebe de que está a ser cozida.

Passos e Portas e Costa Vs Costa e Sousa e Martins

"Aos homens afeiçoamo-nos pouco a pouco, independentemente de terem ou não algo em comum com aqueles que, nas várias fases da vida, tomámos como modelo de homem".

História do novo nome, A amiga genial - segundo volume, Juventude, Elena Ferrante

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Campanha

Quando a moeda é o voto, não há maior rameira do que a política.

Perguntem a Sarah Gross, João Pinto Coelho

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Debates

Os pseudo-intelectuais servem sempre só a sua papa choca e horrível…

Autobiografia, Thomas Bernhard

sábado, 27 de junho de 2015

Doença

A doença de uma pessoa muito querida afasta-me da escrita.
As palavras tornam-se essenciais para manter acesa a chama da vida.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Capacetes azuis

Centenas de capacetes azuis da ONU trocam sexo por comida ou sapatos.

Thomas Bernhard, na obra Autobiografia (conjunto de cinco livros sobre parte da sua vida), escrevia sobre como, no pós II Guerra Mundial, as jovens austríacas eram atiradas para os soldados americanos em troca de senhas de racionamento e outros bens.

Os anos passam, mas os comportamentos mantêm-se perante situações semelhantes.

O que fará a ONU?

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Kundera e o Benfica







Em Fevereiro, 1948, o dirigente comunista Klement Gottwald subiu à varanda de um palácio barroco de Praga para falar às centenas de milhares de cidadãos aglomerados na praça da Cidade Velha. Foi uma grande viragem na história da Boémia. Um momento fatídico, como acontece uma ou duas vezes por milénio.
Gottwald fazia-se acompanhar pelos camaradas, e ao lado, muito perto, estava Clementis. Nevava, fazia muito frio, e Gottwald vinha de cabeça descoberta. Clementis, muito solícito, tirou o gorro de pele que trazia e colocou-o na cabeça de Gottwald.
A secção de propaganda fez centenas de milhares de exemplares da fotografia da varanda de onde Gottwald, de gorro de pele e rodeado pelos camaradas, fala ao povo. Nesta varanda começou a História da Boémia comunista. Todas as crianças conheciam a fotografia, porque a tinham visto nos cartazes, nos manuais e nos museus.
Quatro anos mais tarde, Clementis foi acusado de traição e enforcado. A secção de propaganda fê-lo desaparecer imediatamente da História e, como é evidente, de todas as fotografias. A partir daí, Gottwald está sozinho na varanda. Onde ficava Clementis há apenas a parede vazia do palácio. De Clementis restou o gorro de pele na cabeça de Gottwald.

O livro do riso e do esquecimento, Milan Kundera

JJ troca Benfica pelo Sporting

Resultado de imagem para jj no sporting

Qual o impacto desta mudança no PIB?
Poderá o Governo invocar o interesse nacional para anular o negócio?

terça-feira, 2 de junho de 2015

O futebolista urina na via pública



Assim ia decorrendo a Primavera, as grandes correntes e os pequenos redemoinhos a terem o mesmo tratamento nas manchetes dos jornais.

V. Thomas Pynchon

Gestão RH II

O encarregado a cirandar pela produção. Sigo-o pelo canto do olho. O olho bom, não o da limalha. Agora uso óculos. Também descontados do vencimento. O encarregado dá um pontapé num balde. Todos param de laborar.
– Não parem! – é o que se ouve no silêncio desalmado das máquinas. Todos retomam as suas tarefas e o rugido entrecortado da produção faz-se ouvir.
O encarregado pega no balde. Metálico. Talvez de óleo. Coloca-o de borco e sobe para cima. Uma estátua. Ainda que atarracada e carrancuda. O encarregado.
– Hoje precisam de trabalhar mais uma hora! A partir das 7 trabalham uma hora para o cão!

Nunca vi nenhum cão na fábrica, já as ratazanas abundam e dão festas.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

O senhor Baltasar I

De novo. É de novo que chove. A mesma chuva. Configurada. Talvez, até, a mesma água, apesar do mundo e dos gregos. Altamente impossível, como a vida e, ainda assim, a mesma chuva enevoada e rente, espessa como uma manta de lã, quase sólida, mas pela queda incessante, acentuando a sua alma líquida, mantendo intacto o corpo denso e carnal.

O senhor. Baltasar está dentro do automóvel. A rua onde está é um pormenor. Sente-se molhado, apesar do automóvel, de anos de inovações e desenvolvimentos técnicos e tecnológicos. Molhado e quase melancólico. Melancólico e molhado. É, então, que se apercebe de que o tejadilho do automóvel está semi-aberto. Estaria semi-fechado se o senhor Baltasar não estivesse molhado. Semi-aberto como se sorrisse com uns dentes cinzentos de nevoeiro e chuva coalhada liquefazendo-se. Sorri, também, o senhor Baltasar, fechando o tejadilho e permanecendo no automóvel imóvel, imóvel e molhado e melancólico, aguardando as anunciadas tréguas do crepúsculo.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Gestão de RH I

Chegou à fábrica à hora combinada. Mandaram-no subir aos Recursos Humanos. A cada passo, no andar de cima, sentia a trepidação mecânica da produção, mas o som chegava cada vez mais abafado, como a voz daqueles pedintes dos quais nos afastamos sem dar qualquer esmola. Foi recebido por uma mulher relativamente jovem, loira, saia e casaco cinzentos. Não conseguiu não conferir o decote sorrindo da camisa branca. Soutien branco. Pele branca. Ela entregou-lhe o manual de acolhimento. Um calhamaço. E a roupa de trabalho, cujo custo seria descontado no primeiro vencimento, e mandou-o ter com o encarregado. O encarregado. Atarracado. Carrancudo. Levou-o ao vestiário. Despiu-se e vestiu-se. Sentiu frio. Deixou o manual de acolhimento no cacifo. O encarregado conduziu-o a produção. O rumor das máquinas cresceu até quase à asfixia. O encarregado apontou-lhe um posto de trabalho desocupado, rente a uma enorme máquina e gritou-lhe:

–Trabalha! Tens de fazer uma peça por minuto, 60 peças por hora, 9 horas de trabalho dá 540 peças. Trabalha!

quinta-feira, 28 de maio de 2015

CC

Uso o meu cartão de cidadão ao peito. Tem um nome, uma fotografia de má qualidade, uma série de números e uma assinatura. Uso-o e forço os outros a olhá-lo como prova da minha existência e, talvez, loucura. Mas recuso-me a ser só um número. Também sou um nome, uma fotografia de má qualidade e uma assinatura.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Justiça

Um homem matou o filho de 2 anos. 16 anos depois, quando saiu da prisão, o filho estava à sua espera. O homem, consciente de que o filho já era maior, capaz, portanto, de assumir as responsabilidades pelos seus actos, decidiu ceder-lhe a mesma mão com que o matara, para que retribuísse o gesto. A arma tinha-a comprado a um guarda prisional.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Perfeição

O primeiro-ministro afirma não ser um cidadão perfeito.
Por todo o lado, alinhadas catedrais de perfeição em anúncios publicitários. Não tenho tempo para contemplar a natureza.
O meu empreiteiro diz que não há perfeição na construção civil.

Julgo ser capaz de conjugar o pretérito perfeito.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Candidatos

Eclodem. Os candidatos à presidência da república. Há aviários e chocadeiras eléctricas. Também me poderia candidatar, afinal cumpro os requisitos mínimos. Os pintos já não comem milho traçado nem couves. Mas para quê fazê-lo se já há tantos candidatos que o fazem. Dentro de 28 dias o matadouro, ainda que as eleições sejam só para o ano que vem.

A carta por pontos

A questão é saber se dará descontos em combustíveis ou um hiper-mercados?

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Melancolia ou acção

Sabes aqueles filmes de acção em que as paredes começam a mover-se?
Ele continuava deitado de costas, as mãos encenando uma coreografia caótica sobre o peito e os olhos mimando o deambular agudo de um mosquito junto à fonte de luz que fazia o branco tecto do quarto ainda mais pequeno.
Ela assentiu e ele recomeçou, enquanto ela deslizava a mão esquerda sobre as virilhas sentindo o esperma dele ainda quente e já frio.
As paredes a aproximarem-se. Ou os tectos… os tectos que descem e estão quase a esborrachar o herói e o seu séquito até que alguém descobre uma maneira de parar a engrenagem, há sempre uma engrenagem escondida, ou outro alguém encontra uma passagem secreta para outro espaço, há sempre uma passagem secreta. Sabes?
Com o dedo indicador da mão esquerda ela massaja em pequenos círculos a parte interior da coxa direita aproveitando o fluido cremoso que ainda corre. Agora quente e imediatamente frio.
A vida é assim, mas não há ninguém que te salve, não há outro espaço, não…

O dedo indicador da mão esquerda dela pousa sobre os lábios dele no exacto momento em que o zumbido do mosquito cessa e todo o silêncio da noite é ainda maior.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Módulos de formação

O formando deve optar apenas pela frequência de dois dos seguintes módulos:

A - Como espancar convenientemente um progenitor na presença dos filhos menores;
B - Como deter um progenitor na presença dos filhos menores;
C - Como sovar um velho;
D - Como controlar um cidadão, de modo a que não interfira na acção a desenvolver.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Sorriso

Preciso de sorrir.
Bem, caro doutor, isto não é o consultório de um psicólogo! Eu sou um dentista!
Não, não, não percebeu! Eu não careço de motivos para sorrir! E também não tenho uma urgência doentia de sorrir, uma compulsão para o sorriso. O que eu demando é um sorriso limpo, luminoso, que encandeie!
Claro, senhor doutor!
Posso confiar na sua discrição?
Claro que sim!
Sabe que um homem pode sorrir e sorrir e ser um vilão[1]?
Percebo o que quer dizer senhor primeiro-ministro.



[1] Leite Materno. Edward St Aubyn

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Também no Sudeste Asiático e não só no Mediterrâneo

A minha filha aprendeu na escola quais os frutos que flutuam. Por exemplo, as maçãs flutuam, independentemente da cor que tenham – verde, amarela, vermelha ou cor-de-rosa – e da variedade – reineta, red delicious, golden, royal gala ou bravo esmolfe.

Choveu toda a noite. Esqueci o caixote do lixo lá fora e sem tampa. De manhã passeio o cão. Passo pelo caixote do lixo e constato que tem água. O cão puxa-me e lá vamos. O cão defeca e eu apanho os dejectos com a ajuda de um saco de plástico, usando-o como luva e, depois, virando-o do avesso, como invólucro para os dejectos. De regresso a casa atiro o saco com os dejectos para dentro do caixote de lixo. Flutua. Essa tosca embarcação feita de plástico e merda de cão flutua, tal como as maçãs, enquanto os bebés continuam a afogar-se. Também no Sudeste Asiático.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Crescer

O Governo vê o país a crescer. Pergunto-me quantos dos seus membros (membros superiores, membros inferiores, etc.) usam ou deveriam usar óculos para atenuar as reais ou imaginárias dificuldades de visão; pergunto-me quantos dos seus membros são crentes ou padecem de uma qualquer e sombria doença psicológica. Depois, extenuado, deixo-me de perguntas, estendo o mapa e contemplo o adormecido gigantismo das Hespanhas e a obscura placidez do Atlântico. Crescer para onde?

quarta-feira, 13 de maio de 2015

NAO

É com lascívia que olho o teto. Talvez lavado e desinfetado com lixívia. Quando o pressentimento de um monstro meu faz gritar:
- Para!
Para onde quer olhe não o encontro. Levantei-me e fui ver: era apenas o NAO, nesta quarta-feira que podia ser de cinzas.
Se trocar o O por um U a nau estará pronta a navegar.
Se manejar adequadamente o til expressarei toda a minha opinião.


(imagem: www.examtime.com)

segunda-feira, 11 de maio de 2015

AT

Quando a presidente de uma instituição privada de solidariedade social abriu a carta da autoridade tributária notou-se um intenso, ácido e quase repugnante odor a estrugido queimado, pelo que ninguém estranhou que na notificação de penhora surgissem também, para além de uma dúzia de pães integrais, três maçãs, meia-dúzia de ovos e alguns quilos de arroz, uma garrafa de azeite, três quilos de cebolas e alguns dentes de alho.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Estrelas

No dia em que recebeu a terceira estrela Michelin perdeu o olfacto e o paladar. Ainda pesou o suicídio, como fazia com alguns dos ingredientes que usava, mas teve medo de entrar no grande vazio antes da hora. Dez anos mais tarde ganhou o prémio Nobel da Física pela sua controversa teoria sobre a relação entre as estrelas cadentes e a aceleração do tempo.

Biografia

... quase só o que as biografias esquecem ou escondem vale a pena ser contado. 
Os lindos braços da Júlia da Farmácia, J. Rentes de Carvalho.


quinta-feira, 7 de maio de 2015

Risco de pobreza

Cáritas Europa: Portugal foi o país com maior aumento da taxa de risco de pobreza.

Todos estamos a um passo desta vida num bairro de lata, todos nós os que temos vidas de classe média com ar condicionado... Americanah, Chimamanda Ngozi Adichie.

Talvez não todos!

http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/caritas_europa_portugal_foi_o_pais_com_maior_aumento_da_taxa_de_risco_de_pobreza.html


Novelas

Se centenas de funcionários, de várias empresas, podem ser despedidos por sms porquê tanta polémica pelo facto de um ministro ter ou não ter apresentado a sua demissão usando este meio?

Talvez o nosso arreigado gosto por uma boa novela!!!

Tribalismos

Na obra Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie, Ifemelu, uma nigeriana a estudar e a trabalhar nos Estados Unidos identifica os tribalismos da sociedade americana:
Classe: Gente rica e Gente pobre;
Ideologia: Conservadores e Liberais;
Região: Norte e Sul;
Raça: Brancos anglo-saxões protestantes (WASP), outros brancos, judeus, hispânicos, negros americanos, etc.

Pergunto-me quais são os tribalismos da sociedade portuguesa? 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

O que é que tu e eu podemos fazer?

Como falar quando não se tem voz? Quando todos nos vão dizemos que devemos estar calados e agradecer o que temos?
Agradecer a miopia e o conformismo que nos leva a estarmos em frente ao televisor, como em frente a um aquário, sorrindo e babando-nos com a comida pré-digerida que nos fazem engolir. E vamos plantando esta atitude em tudo o que fazemos. Colhendo conforto e rotina e indiferença. Sim, está tudo ligado!
Tudo o que acontece é demasiado longe, tudo o que acontece é com os outros e os outros não somos nós, graças a Deus!
Daí o silêncio, a palavra do mudo!!!

Também no Mediterrâneo

A minha filha aprendeu na escola quais os frutos que flutuam.Por exemplo, as maçãs flutuam, independentemente da cor que tenham – verde, amarela, vermelha ou cor-de-rosa – e da variedade – reineta, red delicious, golden, royal gala ou bravo esmolfe.

Choveu toda a noite. Esqueci o caixote do lixo lá fora e sem tampa. De manhã passeio o cão. Passo pelo caixote do lixo e constato que tem água. O cão puxa-me e lá vamos. O cão defeca e eu apanho os dejectos com a ajuda de um saco de plástico, usando-o como luva e, depois, virando-o do avesso, como invólucro para os dejectos. De regresso a casa atiro o saco com os dejectos para dentro do caixote de lixo. Flutua. Essa tosca embarcação feita de plástico e merda de cão flutua, tal como as maçãs, enquanto os bebés continuam a afogar-se. Também no Mediterrâneo.